POSSÍVEIS MÉTODOS DE SOLUÇÃO DE CONTROVÉRSIAS – TEMA 3/3

On novembro 11th, 2011, posted in: Noticias e Artigos by Comentários desativados em POSSÍVEIS MÉTODOS DE SOLUÇÃO DE CONTROVÉRSIAS – TEMA 3/3

 

3. VIA ARBITRAL: NOÇÕES GERAIS E HISTORICIDADE
 
 
Uma terceira via possível de solução de controvérsias no que dedilha o tema de marcas, além da administrativa – por meio do INPI e, jurisdicional – através do processo – “instrumento pelo qual a jurisdição é exercida, sendo que, através dele, de modo imparcial, uma terceira pessoa, situando-se fora e acima do conflito ‘ditaria’ qual a solução mais justa, fazendo-se preponderar, já que mais forte que as partes” [1], apresenta-se sob a égide arbitral. 
Ora, com o advento da Lei nº 9307 de 23 de setembro de 1996, a arbitragem se fez presente, e apesar de não ser tão recente quanto a sua promulgação, vem ganhando adeptos por erigir uma resposta célere e eficaz.  
De acordo com as disposições gerais, o artigo 1º da LA aduz que nem todas as demandas poderão ser resolvidas através da arbitragem. Comumente utilizada para dirimir as lides comerciais, somente serão aproveitadas quando as partes interessadas forem maiores e suas causas versarem sobre direitos patrimoniais disponíveis e/ou transacionáveis. 
E ainda, tem liberalidade na escolha das regras de direito que serão aplicadas ao caso concreto, desde os princípios gerais, usos e costumes e até mesmo as regras alienígenas comerciais, salvo se houver violação aos bons costumes e à ordem pública, conceitos estes que, apesar de indeterminados, devem ser consideradas a razoabilidade.
 Igualmente razoável salientar que, apesar desta prática de resolução de litígio não ser nova, não se amoldou aos costumes, vindo à tona, hodiernamente, através do modismo jurídico doutros países desenvolvidos.  
Tal “modismo” ao contrário de muitos que entendiam inconstitucional parte da LA [2], fora considerado constitucional pelo Tribunal, seja pela consonância com a Carta Maior, seja pela efetividade e redução temporal obtidas na decisão controversa. Gaio Junior acrescenta que a Constituição da República Federativa Brasileira auxiliou sobremaneira a reinserção da arbitrabilidade obrigatória, v.g. ao estabelecer no artigo 217, § 1º: que quando se tratar de disciplina e competição desportiva, o acesso ao Poder Judiciário só será concretizado após o esgotamento na justiça desportiva.
Transpondo o essencial, qual seja: a constitucionalidade da Lei de Arbitragem, preocupações outras, aliás, em muitos momentos, se perfaz na imparcialidade e independência dos árbitros, na autonomia da cláusula compromissória, na interpretação segundo o que fora escolhido para pôr fim à lide e na executoriedade da sentença arbitral no Judiciário.
A demonstração do lapso temporal reduzido na via arbitral pode ir de encontro quando se tratar de medidas coercitivas ou cautelares, em que deverá ser solicitado ao Poder Judicante sempre que necessário for, sendo vedada determinação pela via arbitral, conforme preceituado no artigo 22, § 4º da Lei  nº 9307/96.
Doutro modo, a sentença arbitral poderá ter seu prazo determinado pelas partes, e não o sendo, esta terá o prazo máximo de seis meses para sua prolação. Esta celeridade é importante quando se tratar de litígios em matéria de marcas, em que as partes, com o passar do tempo, vão perdendo poderio econômico e privilégio publicitário com a ascensão da insegurança jurídica. 
E quanto à efetividade, “cumpre, portanto, não se pugnar pela efetividade do processo como se fosse ele um ‘fim’ bem determinado e valioso a ser alcançado” [3]. Não se traduz na simples aceitação do veredicto, mas e sobretudo, no qualidade do resultado por ele alcançado, produzindo efeitos na órbita da lide anteriormente exaltada.  
A via arbitral pode ser outra forma de se vislumbrar o ato discricionário em que a conveniência e oportunidade talvez não sejam mais suficientes para atender aos interesses sociais e às demandas na contemporaneidade. Arrazoar a flexibilização da discricionariedade não significa suscitar a contradição.
A principiologia constitucional de qualquer método de solução de controvérsias e sua aplicabilidade se encontra na igualdade. Para Bobbio, a tolerância na desigualdade não é sinal de fraqueza ou de inverdade, mas e, sobretudo, afirmação do respeito à pessoa alheia e à liberdade de escolha. A tolerância, no presente trabalho e em sentido lato, refere-se à aceitação de situações antagônicas, estas, buscadas a partir do reconhecimento da necessidade de conciliação na busca da paz social.
 
Se sou o mais forte, aceitar o erro alheio pode ser um ato de astúcia: a perseguição causa escândalo, o escândalo faz crescer a mancha, a qual, ao contrário, deve ser mantida o mais possível oculta. (…) Se sou mais fraco, suportar o erro alheio é um estado de necessidade: se me rebelasse, seria esmagado e perderia qualquer esperança de que minha pequena semente pudesse germinar no futuro. Se somos iguais, entra em jogo o princípio da reciprocidade, sobre o qual se fundam as transações, todos os compromissos, todos os acordos, que estão na base de qualquer convivência pacífica (…). [4]
                                                                                                                 
 
Da igualdade de condições, princípio basilar, pode-se depreender outra derivação como v.g. o direito ao acesso à justiça. Tal direito não é sinônimo ao direito de acesso ao Judiciário. O último traz arraigada a concepção obsoleta da nomenclatura “ganhador” e “perdedor” ou ainda, da figura do “autor” e “réu” ao invés da expressão ideal de “satisfação das partes”.
A convivência pacífica é algo desejável em qualquer ambiente e a justiça é a sua materialização. As normas postas no ordenamento jurídico servem para prevenção dum possível embate entre as partes. Entretanto, a maneira de se resolver disputas já instauradas não deveria ser a mesma utilizada como preventivo, vez que, cada caso é diferente do outro – excetuando-se, porém, as discussões que envolvam percentagens tributárias, entre outras -, os casos sobre conflitos de interesses contratuais, embates sobre direitos alheios específicos, instauração de lides complexas que necessitem de apreciação de sujeitos especializados em geral, podem ser dirimidas através dos métodos propícios de resolução de conflitos.
 
A arbitragem não é modismo, nem panacéia, muito menos mera privação da jurisdição. Ela se insere perfeitamente no cenário atual de evolução da sociedade, contribuindo, embora em pequena escala, com a Paz Social, eliminando, de forma célere, a tensão que no processo judicial se mantém por longo tempo. [5]
 
 
Os meios propícios estão para a justiça assim como o Judiciário está para a “injustiça”. O termo pejorativo não deve ser entendido como sinônimo de incompetência, ao contrário, o assoberbamento de matérias jurídicas e demandas cada vez maiores impossibilitam um estudo mais aprofundado de cada questão discutida, ascendendo a necessidade de adoção de um novo olhar, de uma nova forma de resolução de conflitos. 
Boaventura de Sousa Santos [6] ressalta alguns pontos da sociologia jurídica que devem ser desmitificados, um deles, v.g. seria a inexistência de neutralidade jurisdicional – as decisões são reflexos do modo de vida de cada   juiz -, numa sociedade em que a complexidade e dinamismo são crescentes, talvez este ponto seja culminante para incentivar as partes à investidura dos meios propícios.
Encarar o novo não é tarefa dócil, principalmente quando a razão sobrepõe ao costume enraizado. Olhar com olhos desnudos pode ser muitas vezes melindroso, mas por certo, não cegará.
Para Laraia [7], a cultura é capaz de condicionar a visão de mundo do homem. E não se trata de fatores únicos e independentes, ao contrário, muitos são os processos culturais, como v.g. o sistema articulado de comunicação oral, o determinismo biológico cumulado com a educação diferenciada recebida na infância, o determinismo geográfico – que age de maneira seletiva, enfim, é um processo histórico pendular. Compreender que o sistema cultural está sempre em mudança é a razão que faltava para dar azo à busca de meios propícios para resolução pacífica, eficiente e justa dos conflitos. 
Este novo olhar pode consistir, analogicamente, na adaptação do tratamento familiar no lar para o meio conflituoso. A cultura dos pais na educação dos seus filhos será a mesma quando reproduzida e adequada à resolução dos conflitos. Uma criança quando se desvirtua dos ensinamentos familiares não é julgada e penalizada pelos pais, ao contrário, incumbe aos mesmos o poder de fazer esse “pequeno infrator dos bons costumes”, interiorizar o mal cometido, refletir sobre as possibilidades de restauração do status quo e prosseguir sua vida consciente do papel que exerce na sociedade. 
Assim são os meios propícios de resolução de conflitos. Não é uma alternativa, mormente, é mais do que uma realidade. Não renasceram para plagiar a efetividade das leis, até porque “a lei pode ser eficaz e não ser efetiva. A lei será eficaz se se mostrar apta a produzir os efeitos a ela atinentes. Mas poderá ser inefetiva se a prática obstaculizar o seu pleno exercício.” [8]
 Assim sendo, reeducar a cultura, interiorizar a reflexão e tocar o educando através da informação, são pontos primordiais para o sucesso da justiça.
A mutabilidade reflexiva e o entendimento de novas acepções comportamentais, hodiernamente, não é pensamento original, há quem defenda que a “generosidade, elegância e cortesia” são bases sólidas para uma “ordem socioeconômica cristã” [9] e ainda, que “a boa-fé objetiva, o equilíbrio econômico e a função social” [10], demonstram a “eticização” de um novo modelo contemporâneo. Oportuna se faz a lembrança da cidade de Atenas, a mais importante e reputada por sua cultura e poderio na época de Sócrates, que pereceu por falta da verdade e zelo com a evolução da alma. [11] Muitos outros grandes pensadores cultivam valores subjetivos para justificar a importância cultural da Paz Social.
Integrando, outros pensadores igualmente respeitáveis, conservam seus argumentos objetivamente. A teoria de “modernização reflexiva” [12], em que “um tipo de modernização destrói outro e o modifica”, surgindo assim um novo estágio é determinado por grandes mutações sociais. Tal constituição denomina-se “sociedade global” [13], e sua amplitude determina a emersão duma “sociedade de risco” – tendência irremediável do controle, dantes monopolístico estatal, para as mãos da “sociedade industrial”.
 
 
A sociedade moderna é caracterizada pela sua grande capacidade de controlar as indeterminações. E, assim, de produzi-las. Este paradoxo acrescenta a necessidade de proteção e de segurança. É a necessidade de agir para que as determinações não adquiram valor de estrutura: a necessidade de evitar que o desvio se estabilize. [14]
 
 
A necessidade de atitudes comissivas para não de estabilizar a instabilidade, tem condão na liberdade concedida pelo Estado para se resolver um conflito por meios diferentes do tradicional, alimenta a reflexão do papel do Direito na transformação da sociedade.
A contemporaneidade traz consigo não somente a modernidade dos meios contratuais, a necessidade de se manter atualizada a publicidade da empresa sem olvidar dos contornos intrínsecos da propaganda. Mas há algo além do comercial, trata-se da parte estrutural e resolutor de controvérsias, em que a cultura do judiciário ainda é latente.
Tura critica os excessos de demanda e acrescenta: “vivemos no terceiro milênio, e por isso, é necessário flexibilizar o monopólio da Justiça tradicional, pondo um fim à cultura brasileira do paternalismo Estatal absoluto, centralizador, distribuidor de vantagens e benefícios (…).” [15]
A idéia de findar a cultura brasileira do paternalismo estatal absoluto de Tura se aproxima, ideologicamente, do ideal compreendido na ótica crítica de Faoro em que “o estamento burocrático, fundado no sistema patrimonial do capitalismo politicamente orientado, adquiriu o conteúdo aristocrático da nobreza da toga e do título” [16] assimilando que “a arbitragem não deve ser entendida como uma possibilidade de acesso ao Judiciário, mas como uma garantia certa de acesso à Ordem Jurídica justa e rápida.” [17]
Um dos meios propícios de solução de litígios, a arbitragem, é faculdade das partes. A imagem “aristocrática da nobreza toga e do título” não mais corresponde aos anseios desta sociedade que clama por respostas que não sejam tardias, que não haja a perda do seu objeto antes da “Justiça” posta.
Outra reflexão que merece reminiscência é a “politização da função jurisdicional” [18] – em que “o juiz deve, necessariamente, decidir e fundamentar sua decisão em conformidade com o direito vigente; mas deve, igualmente, interpretar, construir, formular novas regras, acomodar a legislação em face das influências do sistema político”.
E quanto ao Direito, não basta apenas a sua existência, tem que existir para modificar, para dilatar e constituir a justiça. Não há mais espaços para justiça declaratória. 
 
Fernanda Silva. Advogada – Silva Filho Marcas e Patentes.
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[1] ROCHA, J. C. de S. da R e MISI, M. C. O Direito e os desafios da contemporaneidade. São Paulo: LTr, 1999, p. 167.
 
[2] Senhores Ministros Sepúlveda Pertence, Sydney Sanches, Néri da Silveira e Moreira Alves, publicação na Ata 40 do DOU de 19-12-2001, in GAIO JÚNIOR, A. P. A Arbitragem Brasileira e sua Constitucionalidade. Disponível em: www.gaiojr.adv.br/artigos. Acesso em: 24 de dezembro de 2009.
 
[3] SENTO-SÉ, J. L. de A. A Efetividade do processo do trabalho.  São Paulo: LTr, 1999, p. 61.
 
[4] BOBBIO, N. A Era dos Direitos. Tradução de Carlos Nelson Coutinho; apresentação de Celso Lafer. Nova ed.: Rio de Janeiro, 2004, p. 209.
 
[5] FRANCO, M. Nova Cultura do Litígio: necessária mudança de postura. In: LEMES, S. F., CARMONA, C. A e MARTINS, P. B. Arbitragem. Estudos em homenagem ao Prof. Guido Fernando Silva Soares, In Memoriam. 1.ed. São Paulo: Atlas, 2007, p. 113. 
 
[6] SANTOS, B. de S. Introdução à Sociologia da Administração da Justiça. In: LARA, R. Acesso à Justiça. O princípio constitucional e a contribuição prestada pelas faculdades de direito. São Paulo:Metodo, 2002,p. 51
 
[7] LARAIA, R. de B. Cultura: um conceito antropológico. 17.ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004, págs. 17 a 67. 
 
[8] MARTINS, P. B. A Arbitragem e o Mito da Sentença Parcial. In: LEMES, S. F., CARMONA, C. A e MARTINS, P. B. Arbitragem. Estudos em homenagem ao Prof. Guido Fernando Silva Soares, In Memoriam. 1.ed. São Paulo: Atlas, 2007, p. 267. 
 
[9] LINDENBERG, A. O Mercado Livre numa Sociedade Cristã. Rev. e Coord. José Filipe Sepúlveda da Fonseca. Porto: Civilização, 1999, págs. 305 a 312.
 
[10] NEGREIROS, T. Teoria do Contrato: novos paradigmas. 2.ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 508.
 
[11] SÓCRATES (470 – 399 a.C). In: FIGUEIREDO, C. 100 Discursos Históricos. 2.ed. Belo Horizonte: Leitura, 2002, p. 31.
 
[12] BECK, U. A Reinvenção da Política: rumo a uma teoria da modernização reflexiva. In: GIDDENS, A., Beck, U. e LASH, S. Modernização Reflexiva. Política, tradição e estética na ordem social moderna. São Paulo: Universidade Estadual Paulista, 1997, p. 12.
 
[13] GIDDENS, A. A Vida em uma Sociedade Pós-tradicional. In: GIDDENS, A., Beck, U. e LASH, S. Modernização Reflexiva. Política, tradição e estética na ordem social moderna. São Paulo: Universidade Estadual Paulista, 1997, p. 119.
 
[14] DI GIORGI, R. Direito, Democracia e Risco. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1998,     p. 191.
 
[15] TURA, Adevanir. Direito arbitral: curso prático de arbitragem nacional e internacional. Leme: JH Mizuno, 2007, p. 50.
 
[16] FAORO, Raymundo. Os Donos do Poder: formação do patronato político brasileiro. 3.ed. São Paulo: Globo, 2001, p. 836 e 837.
 
[17] Ibidem, p. 53.
 
[18] CAMPILONGO, C. F. Política, Sistema Jurídico e Decisão Judicial. São Paulo: Max Limonad, 2002, p. 61.