Para saber qual é a importância da marca, o seu objetivo material, haverá de se remeter, sucintamente, à impressionante habilidade da linguagem através dos tempos. A estória do Pequeno Príncipe consegue trazer à mente imaginativa do ser humano, variadas informações e, na medida em que o leitor vai se desenvolvendo, agregando experiências, a leitura fica ainda mais interessante.
“Olhem o céu. Perguntem: Terá ou não terá o carneiro comido a flor? E o verão como tudo fica diferente… E nenhuma pessoa grande jamais compreenderá que isso tenha tanta importância!” [1]
Concebam se a leitura fosse: “Nham! O carneiro devorou a flor”. Qual seria a reação do leitor ao imaginar a tristeza do Pequeno Príncipe? Quiçá apenas uma pessoa grande tivesse a exata idéia da perda de algo tão precioso.
Através da simbologia “flor” e “carneiro” há de se deduzir milhares de pensamentos eivados de natureza própria do ser pensante. Dos símbolos às mensagens pode-se depreender, basicamente, a palavra, não obstante, a linguagem. A marca!
Inexiste unicidade da palavra, um lexicógrafo poderia tentar determinar o fim dos significados expressamente, mas jamais obstar a polissemia da mente. Assim como toda palavra tem distintos significados, a imprecisão se torna latente quando acrescidos prefixos, sufixos, derivações ou quaisquer outras composições plurissignificativas.
George Orwell [2] erigiu grande obra somente através de metáforas. “Todos os animais são iguais, mas alguns animais são mais iguais do que os outros”. Este mandamento é um convite à luta contra de toda e qualquer forma de autoritarismo. E talvez nenhuma “pessoa pequena” jamais compreenderá que isso tenha tanta importância!
O conteúdo da locução somado à expressividade visual relativamente nova resulta numa especialização de significado, podendo ser objeto de tutela exclusiva, concedida pelo Estado para determinado produto ou serviço, excetuando-se a vedação às expressões de propaganda, que no presente trabalho não serão objeto de análise.
Em tempos pretéritos, anteriores ao século XIII, a reprodução oral de escritos profissionais passavam, necessariamente, por recitadores, cantores, músicos e ambulantes que eram responsáveis por divulgar nas feiras, castelos e cidades. [3]
Considerando que cada expressão era aditada conforme sua moral – a moralidade daquele “cantador” -, ia-se ganhando traços diferentes do original.
A expressividade artística quando idealizada para um produto ou para designar a prestação de serviço, deve ser escrita, “inalterável”, e relativamente nova para que o detentor possa gozar de proteção exclusiva. O aditamento desta cria nova marca.
Assim como no clássico “infantil” a estória do Pequeno Príncipe permeia a vida da marca. Seu objeto material cintila por horizontes pouco definidos e multifacetados.
A marca pode assumir conotações nostálgicas… O carneiro terá comido a tão bela flor? Independentemente da crença do leitor, o carneiro e a flor são personagens onipresentes na infância bem como o cuidado com os baobás. Estes últimos representam, no presente caso, a questão da disciplina, do zelo com o nome (marca), que se não for regularmente trabalhado (propaganda realizada por publicitários profissionais), insurgir-se-á um comportamento indesejado (concorrência desleal e propagandas que ludibriam o consumidor) no mercado que o detentor decidiu atuar.
“É preciso ser rápido e agitado e poder oferecer seu patrimônio intelectual a serviço dos clientes” [4] A performance da marca está diretamente relacionada à reciprocidade do consumidor. Este fator não é isolado, depende sobremaneira, do labor comunicativo e ideológico.
Paradoxalmente, as empresas buscam identificar seus produtos e serviços, tornando-os exclusivos e eternos, e ao mesmo tempo, idealizam a modernidade, a inserção e a concretude do tempo pretérito. Até as palavras se tornam obsoletas, descartáveis. A onipotência da marca, muitas vezes, é posta em xeque.
A percepção da marca, marca a fantasia, a venda de status, a sensação comportamental diversa daquela do senso comum. Não se adquirem mais, na contemporaneidade, o objeto ou o serviço, puros, mas e, sobretudo, o metafísico e o ideal platônico, respectivamente.
O mundo, em todos os setores, vende alguma coisa. As empresas vendem marcas. A Coca-Cola aliena quase tudo, exceto produtos e serviços. O “McDonald’s vende marca como fetiche” [5]. O Bradesco tem vendido “presença”. Os políticos, “a independência econômica com o petróleo encontrado no pré-sal” e, o cliente deseja que você distribua a ele “segurança, sucesso e lucro”. Enfim, todos comercializam algo que não seja produto e/ou serviço, mas especialmente, a identidade e ideologia consistente na marca.
O que as pessoas sentem com relação à marca não é apenas mera curiosidade, é paixão! E a obviedade paira sem timidez. As pessoas desejam que a marca realize seus sonhos e extirpe suas frustrações, dando-lhes a sensação de completude, ainda que irreal.
A marca é o bem intangível mais importante na seara do patrimônio empresarial – propriedade industrial, visto que é o único título de propriedade concedido pelo Estado ad eterno, observadas as exigências legais de atividade lícita, efetiva e o adimplemento das obrigações de pagar as taxas decenais junto à Autarquia Federal.
Uma criança sem nome é um ser humano sem marca. Pressuponha que uma família inteira, amigos, contatos profissionais, funcionários e colegas de trabalho atendessem por um nome apenas, como seria?
Constata-se, assim, que se torna acessível, no campo da hipoteticidade, idealizar todos os livros publicados até hoje, com conteúdos variados, mas de mesmo título, poder-se-ia nominar um caos literário!
Desse turbilhão de idéias confusas, chega-se à verdadeira importância de uma marca para o consumidor, o produtor, o fabricante, o importador, o exportador, o comerciante, enfim, para a própria saúde do mercado.
Tanto o produto quanto a prestação de serviços necessitam de individualização. A identificação do titular é importante para evitar a confusão quanto à origem. O distanciamento visual de cores e desenhos é a apresentação necessária para distinção dos produtos e/ou serviços perante os consumidores.
Não é incomum vislumbrar sociedades empresárias em que seus sócios manifestam livremente o desejo de alienar todo o negócio – realizar o trespasse -, mas não concretizam por que a marca vale excepcionalmente mais do que todos os bens tangíveis juntos. Muitas vezes, realizam a venda do negócio, excetuando-se, expressamente no contrato a marca que deverá ser licenciada evitando assim, o plágio.
Não haverá erronia, contudo, em afirmar-se que a marca sobrevive “temporária ou definitivamente, independentemente do estabelecimento comercial” [6] Tal observação, contudo, demonstra o grau de complexidade legal em que diversos empresários poderão se defrontar. Uma mesma marca poderá exercer variadas funções para empresas distintas no caso de licença não exclusiva. Por outro lado, admite-se a exploração de marca registrada por outro titular, e essa alternância, muitas vezes, sublinha dúvidas aos consumidores por não saberem ou não conseguirem discernir a proveniência dos produtos por eles adquiridos.
Subsumem-se, portanto, a função e a origem da marca. A qualidade tende a ficar adstrita às condições do titular, não se obrigando à garantia expressa desta. O Direito não se dissocia da satisfação daquilo que se pretende alcançar. É de se depreender que a inefetividade, notoriamente, perdeu lugar no mundo hodierno. Idealizar a efetividade é viver o processo.
A palavra efetividade – termo ao qual se pode atribuir, especificamente e em sentido estrito, a concretude do Direito – vem do latim efficere [7], que significa executar, realizar, concluir, em consonância com o processo, nas palavras de Cappelletti [8] poderia ser expresso como “igualdade de armas”. Para ele, intrinsecamente, vislumbrar-se-á até mesmo nas custas judiciais, em que a uma das partes litigantes é garantido o acesso efetivo entre outras barreiras ao acesso, como v.g. os problemas com os interesses difusos e a aptidão para reconhecer um direito e propor uma ação ou sua defesa.
Salientando ser um tanto quanto difícil estabelecer uma linha de raciocínio para o conceito de efetividade no processo, Gaio Júnior [9] assinala que “o resultado do processo deve ser tal, que possa assegurar à parte vitoriosa o pleno gozo de seu objetivo específico a que faz jus segundo o ordenamento”.
Vale considerar, ainda, outra justificante com fulcro na efetividade, tal como exarado por Cintra, Grinover e Dinamarco [10] em que “todo processo deve dar a quem tem um direito tudo aquilo e precisamente aquilo que ele tem direito de obter”.
No mesmo diapasão, Liebman [11] demonstra que o foco se perfaz no Direito, no processo e no desenvolvimento e que, hodiernamente, reside na efetividade do Poder Judicante através do proclamado processo civil de resultados, sabedores de que “a tutela jurisdicional é dada às pessoas, e não aos direitos, e somente àquele sujeito que tiver razão: a tutela dos direitos não é o escopo da jurisdição nem do sistema processual”.
Comungam-se os pensamentos, como se vê, as acepções não se divergem, mas e sobretudo, complementam-se. As explanações a respeito do conceito de efetividade são ainda incipientes e necessitam de reflexões zetéticas para traduzirem sua real importância e grandiosidade para a história pendular do Direito na contemporaneidade.
Reside neste particular que a efetividade é a mola propulsora das lides, das crenças processuais, da motivação das partes e dos serventuários da justiça, idealmente, servem para inspirar ascensão social, política, econômica e cultural, afirmar as convicções, concretizar os desejos sustentados, muitas vezes, por toda uma vida.
Doutro modo, conquanto a doutrina houvesse cindido, o tempo e a efetividade andam de mãos dadas e é basicamente, o corolário para a escolha da tutela jurisdicional, pois representam, recentemente, a morosidade e a carência satisfativa dos direitos conquistados.
Quanto ao tempo, Tucci [12] evidencia que a “manifesta repercussão temporal, até pela sua natureza, também é inafastável no campo do processo”. Sintoniza, ainda, o tempo à morosidade do sistema, verificando que esse vício é motivo curial da crise da justiça.
Manifesta-se, por conseguinte, que a tutela jurisdicional só será efetiva e oportuna se acaso o procedimento for célere. [13]
A Constituição da República Federativa do Brasil laborou uma ideologia frente aos novos rumos do processo civil de resultados, transpondo barreiras da morosidade quando expressa no artigo 5º, inciso LXXVIII a razoável duração do processo, sendo o tempo a justificativa para exemplar prestação do serviço jurisdicional.
Muitas reformas processuais vieram à tona e outras tantas estão em andamento. Segundo palestras do Pós-Doutor Gaio Junior, a média de duração do processo no Brasil é de mil e quinhentos dias, podendo ser comparada ao Equador, enquanto na França é de cem dias. Racionaliza Tucci [14] que os prazos deixaram de ser razoáveis há tempo para serem vexatórios.
Evidencia, ainda, sucintamente, os três motivos determinantes da problemática que circunda a intempestividade da tutela jurisdicional: “fatores institucionais, fatores de ordem técnica e fatores derivados da insuficiência material” [15]
No que toca às matérias, o autor acredita que o Estado não tem interesse em imprimir celeridade procedimental a fim de minimizar o lapso temporal entre o início do processo e a satisfação do direito lesado. O alto número de demandas e o baixo número de magistrados com o mínimo de tirocínio profissional cominado com a sistemática processual em que a decisão do juízo monocrático não goza do prestígio que deveria, traduz a não prestação da tutela jurisdicional. E para arrematar, as precárias instalações do Poder Judiciário, a inadequação relativa às condições de trabalho dos órgãos de primeiro grau no tocante à Justiça Estadual, as dissonâncias tecnológicas entre o Poder Judiciário dos Estados-Membros e Distrito Federal no que tange aos programas digitais utilizados para tentar diminuir a morosidade, por todo exposto, em termos diretos, “o tempo é o senhor da razão” e porque não também da qualidade total da prestação jurisdicional.
Esclareça-se que, o binômio tempo e efetividade, resgata os rumos do Direito. O reconhecimento deste fato, todavia, não obsta ou induz à aceitação como verdade intocável, ao contrário, incita a reflexão. Busca ultrapassar as barreiras endo e exógenas, concretas e abstratas do mundo real ou da realidade ideal. A efetividade e o tempo estão para o Direito como o funcionamento do cérebro para a vida.
Ao que parece razoável, não basta ter um cérebro, há de se estar em salutares condições de funcionamento para que não se declare a morte, o binômio, por sua vez, ativa os dispositivos necessários à realização do processo permitindo aos que litigam a vitalidade, a esperança e o respeito àqueles que laboram para e pela efetividade do processo civil de resultados.
À vista de tais considerações, é possível que uma marca venha a colidir com outra, e ambas com uma terceira, quarta e assim, sucessiva e infinitamente, no mercado consumidor. Tais entraves marcários podem ser lícitos e perfeitamente mantidos quanto à convivência, ou mesmo, vir mascarados de reprodução parcial, total ou imitação. Desarrazoado, contudo, seria imaginar a predileção por um titular sem tornar proporcional e razoável a decisão no caso concreto. Não se ignore, além disso, que em certos casos uma marca copiosa tendente a manipular o mercado é ilegal, é desleal, é “pirata”! E muitas vezes, combater os sinais que possam induzir o público consumidor a erro poderá ser vista como a pedra de toque que desafia conflitos em sede de marcas.
Fernanda Silva. Advogada – Silva Filho Marcas e Patentes.
[1] SAINT-EXUPÉRY, A. de. O pequeno Príncipe, com aquarelas do autor: tradução de Dom Marcos Barbosa. 18.ed. Rio de Janeiro: Agir, 1975, p. 95.
[2] ORWELL, G. A Revolução dos Bichos: um conto de fadas. São Paulo: Cia das Letras, 2007, p. 106.
[3] SARAIVA, A. J. e LOPPES, O. História da Literatura Portuguesa. Porto: Porto, 2001, p. 36.
[4] PETIT, F. Propaganda Ilimitada. 12.ed. São Paulo: Futura, 2006, p. 31.
[5] FONTENELLE, I. A. O Nome da Marca. McDonald’s, fetichismo e cultura descartável. São Paulo: Boitempo Editorial, 2002, p. 277.
[6] ALMEIDA, A. F. R de. Denominação de Origem e Marca. Stvdia Ivridica 39. Coimbra: Coimbra, 1999, p. 335.
[7] BUSARELLO, R. Dicionário Básico Latino-Português. 6.ed. Florianópolis: UFSC, 2003, p. 97.
[8] CAPPELLETTI, M. e GARTH, B. Acesso à Justiça. Porto Alegre: Fabris, 1988, págs.15 a 29.
[9] GAIO JÚNIOR, A. P. Tutela Específica das Obrigações de Fazer. 2.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 09.
[10] CINTRA, A. C. de A., GRINOVER, A. P. e DINAMARCO, C. R. Teoria Geral do Processo. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 37.
[11] LIEBMAN, E. T, apud. DINAMARCO, C. R. A Instrumentalidade do Processo. 12.ed. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 184.
[12] TUCCI, J. R. C e. Tempo e Processo: uma análise empírica das repercussões do tempo na fenomenologia processual (civil e penal). São Paulo: RT, 1997, p. 22.
[13] Idem, p. 27.
[14] Idem, p. 91.
[15] Idem, p. 99.